Foi mais ou menos por volta dessa altura que senti - não pela primeira vez, mas de uma forma mais crua - a brutal chicotada que é o bullying. Esse parasita, silencioso, invisível, que se hospeda num rosto angelical e inocente. Comecei a senti-lo sem o saber. Não tinha consciência da ferida aberta. Era como cortar o dedo em papel, e só reparar algum tempo depois. O bullying não se esconde, não sente qualquer tipo de remorso, não tem consciência. Apodera-se das mentes e faz delas o que quer. É como uma sombra que engole, que delimita o seu espaço, fazendo com que a sua presa não ouse pôr um pé fora da área à qual esse escrupuloso verme a confinou.
"Porque é que és amiga dela?" Ouvia estas palavras - mesmo que não fosse suposto - e conseguia sentir a garganta a fechar, formando-se uma bola até ao ponto de ebulição. Não a conseguia travar. E não me lembro da resposta. Fiquei paralisada com a força das palavras "Porquê?". Como se eu não fosse digna de ter amigos, só porque, sucintamente, eu era gorda. Consigo sentir e reviver o momento vezes sem conta...como uma memória que ficou presa no limbo e que se repete numa realidade paralela, vezes e vezes sem fim. Consigo sentir a tristeza, consigo sentir a dor, que se expressa para fora do meu corpo em doses desmedidas. A minha única questão, aquela que repetida foi, silenciosamente, durante anos, "Por que é que ela não gosta de mim?". Eu apenas queria uma amiga, mas ela não me queria como sua amiga, porque eu era gorda.
"Nunca vais conseguir fazer o pino porque és gorda". Dizia-me isto, no meio das minhas inúmeras tentativas falhadas. Silêncio. O cheiro daquela cave ficou impregnado em mim, tal como os buracos causados pelas palavras que, tal como flechas, chacinavam o corpo. "Nunca vais conseguir" "Porque és gorda". As minhas cordas vocais uniram-se num laço, que simultaneamente queimava calcionando. Só queria chegar a casa e não voltar mais àquele sítio, esconder-me do mundo.
Depois? Treinei tardes sem fim até conseguir fazer o pino. E quando finalmente o consegui, a certeza de que tinha dado um pontapé naquele verme que se acorrentava a mim e que tanto repetia "Nunca vais conseguir...".
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